O que pensam deles mesmos alguns juizes, os que perderam as noções mais
simples de convivência, igualdade e fraternidade? Este texto foi escrito em
Fevereiro de 2005, e consta de meu livro “Menos Leis, Mais Justiça”, lançado em
2010.
A Lei criou o Conselho Nacional de Justiça, órgão encarregado de
fiscalizar a conduta de Juízes, Desembargadores e Ministros. O Presidente (do
Brasil) discursou a favor da instalação do Conselho, e o Presidente do Supremo
Tribunal Federal, Ministro Nélson Jobim também. Mas a Associação dos Magistrados
apresentou medida judicial para impedir a indicação de “cidadãos comuns” para o
Conselho, como representantes da sociedade civil. Eles temem o que? O que eles
pensam “de ruim” dos cidadãos comuns, que pagam os seus salários, para tentarem
evitar que eles trabalhem no Conselho Nacional de Justiça? Não serão os juízes,
também, cidadãos comuns?
Vamos à realidade: muitos juízes pensam que são deuses, e muitos
desembargadores e ministros têm certeza. Não estou generalizando, é claro, mas
apenas afirmando que a maioria pensa assim. Eles sabem disto! Eles não se
consideram mais cidadãos comuns depois que assumem suas funções na magistratura,
mas sim seres espaciais e especiais, acima de todos e de qualquer suspeita. “O que costuma ser ostensivo nos membros da
magistratura é a vaidade. Quando o juiz veste sua toga, o pavão fica encabulado
e recolhe a sua cauda” (Ricardo Andreiolo, Delegado de Polícia). “Os juízes acham que são amiguinhos de Deus.
E se não temem a Deus, por que temer aos homens? O juiz não pode mais ser o
super-herói. Ele tem que ser gente” (Ministro Edson Vidigal). “O Poder Judiciário deve servir à nação, e
não ao deleite e à biografia de seus magistrados” (Ministro Nélson Jobim).
Até que o meu pensamento não ficou muito diferente dos pensamentos das
autoridades acima citadas! Sorte a minha: se processado for, alego
precedente!
Ainda caminhando na realidade, estamos muito distantes de ver juízes
participando do verdadeiro jogo democrático, sabendo distinguir entre os
interesses do Estado e do Judiciário, e garantindo o direito fundamental de
acesso de todos à justiça, como manda a Constituição Federal. Os juízes ainda
não fizeram a opção pela garantia da vida e do bem-estar dos “cidadãos comuns”;
ao contrário, eles os querem distantes de suas vidas, de seus gabinetes de luxo
e de seus Conselhos. Os juízes estão cada vez mais jovens e, proporcionalmente
às suas idades, cada vez têm menos experiência de vida, e o acesso a eles está
ficando cada vez mais difícil. Justiça lenta, dezenas audiências marcadas para a
mesma hora, oficiais de justiça barrando advogados nas portas dos gabinetes,
testemunhas mal tratadas, processos que não andam, e tantas outras mazelas que
tomariam todo o espaço desta crônica.
Eu sempre comunguei da opinião do jovem Paulo Feijó, pois
conheço Juízes, Desembargadores e Ministros maravilhosos, simples, que não se
envergonham da amizade de um advogado. Eles não vestiram a toga da prepotência e
da arrogância em razão de suas funções! Paulo Feijó comparou
a função do juiz à do goleiro de futebol, como sendo aquele a última defesa do
mais fraco contra uma violação de seus direitos fundamentais, o último recurso
do cidadão antes que ele perca as esperanças no estado democrático de direito. O
juiz que desejar ou fizer menos do que isto não passará de um
charlatão!
Falta a muitos juízes o cultivo da sensibilidade do espírito, que é o que
melhor diferencia o ser humano de outras formas de vida. De nada adiantam o
conhecimento jurídico exacerbado e o poder, se distanciados de seus conteúdos
éticos e de humildade, porquanto aqueles isoladamente deixarão o homem afastado
de si mesmo, e o tornará mais pobre, mais bruto, mais perigoso. E um juiz
injusto e prepotente é perigoso! Fazer justiça é como fazer arte, pois é uma
forma de transformar o mundo, e tem que sempre ser para o melhor, para o mais
belo, para o mais justo. Uma sentença justa é uma verdadeira obra de arte do
espírito do julgador, e só por isto já brilha e deve ser saudada.
A inexorável missão do juiz, que se caracteriza, na versão aristotélica,
por medir a realidade com a régua do sistema jurídico, é circundada pelo
inigualável mistério do tempo, que perpassa a vida com o tom da incerteza. E,
apenas um juiz moderno e afinado com o seu tempo, que utiliza o processo como um instrumento de
participação e justiça social, será capaz de fazer com que os preceitos da
Constituição não se transformem em promessas, mas em efetivos direitos para o
“cidadão comum” brasileiro.
Que todos os juízes respeitem e compreendam o importantíssimo princípio
da dignidade da pessoa humana em toda a sua extensão. Lamento a posição da
Associação dos Magistrados, que de certa forma discrimina o “cidadão comum”, e
espero sentir pena, por pouco tempo, deste “cidadão comum” brasileiro, pois
ainda quero acreditar em uma Magistratura mais justa, acessível e boa (de
bondade). É uma pena que esta magistratura ainda esteja tão distante no espaço
infinito, pois ela ainda separa os que pensam que são Deuses daqueles que têm
certeza de que são, apenas, homens.
Texto escrito
em 2005, e publicado no meu livro “Menos Leis, Mais Justiça”, da Editora Letra
Capital, lançado em 2010.
WANDERLEY
REBELLO FILHO
Conselheiro da
OAB/RJ.
Presidente da
Comissão de Políticas sobre Drogas da OAB/RJ
e da OAB/Barra
da Tijuca.
Presidente da
Sociedade Brasileira de Vitimologia